A nossa equipa de andebol terminou mais uma temporada e ainda não foi desta que matámos o borrego.
Numa época que ficou marcada pela substituição de Mariano Ortega por Carlos Resende, a contratação de uma das maiores referências do andebol nacional para orientar a nossa equipa deixou os adeptos com elevadas expectativas.
E a verdade, é que o arranque da época oficial foi muito bom, com a equipa a estar na liderança isolada da Fase Regular durante algumas jornadas e a praticar um andebol de qualidade que há muito não se via, com principal destaque para a vitória sobre o FC Porto por 28-25.
Porém, mesmo nessa altura eu sempre disse que o plantel precisava de ser mais reforçado. Que para aquela altura da época dava para desenrascar, mas para quando começássemos a alternar jogos do campeonato com a Taça EHF não iria ser suficiente.
A verdade, é que a Taça EHF deixaria de ser uma "preocupação". Ainda decorria o mês de Outubro quando fomos eliminados das competições europeia pelos polacos do Gwardia Opole. Apesar de não sermos favoritos, conseguimos uma vitória por 28-24 na primeira mão na Luz, mas na segunda mão na Polónia a nossa equipa não foi capaz de derrubar o "armário" que estava na baliza polaca. Acabaríamos afastados pela equipa que ficou esta época em 4º lugar na Superliga polaca, tendo sido eliminada nas meias-finais do play-off pelo Wisla Plock, clube onde actua o internacional português Gilberto Duarte.
Voltando à nossa equipa, o campeonato prosseguiu e nos jogos contra os adversários directos eram expostas as insuficiências do nosso plantel. Entretanto o Sporting tinha tido um início de época aos solavancos devido a várias lesões que assolaram o plantel, aproveitou o mau arranque do FC Porto (um empate e duas derrotas nas três primeiras jornadas) e os deslizes do Benfica para se colocar na frente da Fase Regular e assumir-se novamente como o grande favorito à conquista do título.
Na Fase de Apuramento do Campeão, acabaríamos por ser novamente os bobos da festa. No entanto, uma vitória categórica sobre o FC Porto por 34-27 e os desaires inesperados doa azuis e brancos contra o AA Avanca acabaram por fazer com que consolidássemos o segundo lugar, classificação que nos dá o acesso à 2ª eliminatória da Taça EHF.
O Sporting CP foi um justo campeão. Um aspecto positivo da nossa equipa foi o facto de não termos perdido pontos contra equipas de outro "campeonato", algo frequente nas últimas épocas. Por outro lado, como já aqui referi, nos jogos contra os adversários directos as nossas limitações ficavam à vista de todos. Em vários jogos, tivemos apenas quatro jogadores disponíveis nas posições da 1ª linha (Belone, Seabra, Cavalcanti e João Silva); André Alves é também um concorrente muito curto para Davide Carvalho, sem falar de Miguel Espinha. Se por um lado, isto permitiu que alguns jogadores tivessem mais competição e evoluíssem, também a equipa ficou a perder em profundidade.
Já na Taça de Portugal, a história foi bem diferente. Sempre disse que, apesar de perder a confiança em relação ao campeonato, a Taça estava perfeitamente ao nosso alcance. Carlos Resende já mostrou saber gerir muito bem a equipa em jogos a eliminar e essa capacidade valeu-lhe a sua terceira Taça de Portugal nas últimas quatro épocas.
A verdade é que aquilo que temos tido nas últimas épocas não é suficiente para conseguirmos conquistar o título de campeão nacional que nos foge desde 2009. Os elevadíssimos investimentos que o Sporting CP tem feito na modalidade colocaram a fasquia a um nível muito alto. Não precisamos de fazer um investimento ao nível deles, mas existem coisas que devem ser mudadas. Em Fevereiro falei aqui de alguns pontos que não foram devidamente abordados na preparação desta época, de maneira que não me irei debruçar muito sobre eles. Deixarei aqui o link desse post para quem estiver interessado...
https://catedralvermelha1904.blogspot.com/2018/02/mais-uma-epoca-em-branco.html
No entanto, irei aqui referir outras coisas considero relevantes. Antes de mais, começo pela típica análise individual aos jogadores:
Pedro Seabra - chegou para colmatar a saída de Tiago Pereira e o seu impacto na equipa foi imediato. Dono de uma visão de jogo fora do comum, consegue encontrar espaços onde poucos conseguem encontrar. Fez uma exibição de encher o olho na final da Taça, onde mostrou tudo aquilo que um central moderno deve ter: liderança, velocidade, inteligência e agilidade. É o cérebro de Resende dentro da quadra;
Davide Carvalho - um dos jogadores que mais evoluiu nesta temporada. Quando assumiu a titularidade há dois anos após a saída polémica de António Areia, o ponta-direita já mostrava potencial, mas pecava muito na finalização. Esta época cresceu bastante nesse aspecto, conseguindo finalizar da ponta, em contra-ataque e em livres de 7 metros. Ainda não está no ponto, mas já está bem melhor do que era;
Fábio Vidrago - após uma época de adaptação ao clube, à cidade de Lisboa e ao andebol profissional, esperava-se que com a chegada de Carlos Resende ele iria mostrar todo o seu valor. Dito e acertado. O ponta-esquerdo internacional português foi uma das principais armas ofensivas da equipa. Beneficiado por um estilo de jogo que privilegia muito o contra-ataque, Fábio Vidrago foi um dos melhores marcadores da equipa até deslocar o ombro no jogo contra o AC Fafe, lesão que o afastaria o resto da temporada;
João da Silva - chegou rotulado de craque, e pelo seu currículo prometia mesmo sê-lo. Veio dos franceses do Chambery Savoie (5º classificado na Starligue 16/17), com 23 anos já era o central titular da selecção brasileira com participação nos Mundiais de 2015 e 2017, tinha passado por um dos melhores clubes espanhóis (Ademar Léon) e tinha já uma vasta experiência na Taça EHF. E de facto, teve um início de época muito prometedor, mas com a lesão de Terzic, tornou-se na aposta de Resende para ocupar a sua vaga como lateral improvisado, prejudicando o seu desempenho e perdendo minutos de jogo, principalmente no plano ofensivo. Caso permaneça na equipa, espero que seja melhor aproveitado, porque a qualidade está lá, e não é pouca;
Alexandre Cavalcanti - claramente, o jogador que mais evoluiu nos últimos dois anos. Já era uma mais valia no aspecto defensivo, mas nos últimos dois anos, depois de juntar alguma massa muscular àquela altura toda (1,99m), também começou a dar garantias no ataque. Nesta temporada assistiu-se
à sua explosão, afirmando-se como um atirador de elite. Aos 21 anos, tem meia Europa atrás dele. Veremos o que acontece;
Paulo Moreno e Ricardo Pesqueira - a posição de pivot passa muitas vezes despercebida, visto que são jogadores que por norma, não têm muita bola. Mas ao contrário do que muitas vezes parece, a posição de pivot é fundamental na manobra da equipa, tanto a defender como a atacar. O novo capitão do Benfica é outro jogador que tem crescido de forma notável nos últimos dois anos, principalmente e nível físico e a nível da finalização. Já o pivot contratado ao ABC é uma autêntica dor de cabeça para os adversários na defesa, disputando cada lance como se fosse o último, e revela uma boa inteligência sem a bola, que no ataque lhe permite abrir espaços para os jogadores da primeira linha aproveitarem. Duas pedras basilares nesta equipa;
Stefan Terzic e Arthur Patrianova - estes dois atletas já foram em tempos grandes promessas do andebol mundial, mas as lesões impediram-nos de se tornarem certezas. O que o Benfica pretendia fazer ao contratá-los era utilizar os serviços médicos do futebol para os recuperar e assim, a equipa de andebol poder usufruir de dois jogadores de classe mundial. E se a ideia parecia ser brilhante no papel, a verdade é que não teve efeitos práticos.
Stefan Terzic assinou pelo Benfica em 2016, concluiu a sua recuperação na Luz, e iniciou a época 2016/2017. Em Dezembro, numa altura em que estava a começar a afirmar-se como uma mais-valia, contraiu a sua segunda ruptura de ligamentos num jogo contra o FCP. Só recuperou no início desta época, ainda fez alguns jogos em Outubro e Novembro até voltar a lesionar-se com gravidade e falhar o resto da temporada.
Arthur Patrianova contraiu na época passada a sua terceira ruptura de ligamentos, concluiu a sua recuperação no Benfica, assinou contrato e foi inscrito já numa fase um pouco avançada da temporada. E, muito graças ao andamento já elevado que o campeonato já levava, o internacional brasileiro foi muito pouco utilizado.
Estes dois jogadores têm tudo para serem os melhores a jogar em Portugal, mas enquanto não quebrarem a mala-pata com as lesões não acrescentarão nada à equipa e permanecerão com o futuro incerto. É possível que pelo menos um deles deixe o clube no final da época.
Agora, quero falar de outra questão. Quero falar do que levou Carlos Resende a vir para o Benfica. Para quem não sabe, na época passada, Carlos Resende (então treinador do ABC) era pretendido pelos três grandes. O Benfica tinha ficado arredado cedo da luta pelo título, o Sporting tinha mudado de treinador a meio da época e o FC Porto não se exibia ao nível das épocas anteriores, que fez com que os três grandes se virassem de armas e bagagens para o treinador que estava a fazer um trabalho extraordinário no clube de Braga.
No entanto, a maioria dos acompanhantes da modalidade acharam surpreendente o facto dele ter escolhido o Benfica. Recusou uma proposta do Sporting, desperdiçando assim a oportunidade de regressar ao clube que o deu a conhecer ao andebol nacional e onde podia voltar a competir na Champions tendo ao seu dispor um orçamento muito superior ao de qualquer outra equipa do campeonato; e recusou uma proposta do FC Porto, desperdiçando a oportunidade de regressar ao clube do seu coração e onde atingiu o estatuto de lenda.
Quando a imprensa começou a avançar que Carlos Resende seria o novo treinador do Benfica, muito adeptos ficaram entusiasmados com a notícia. E parte dos adeptos achou que com ele no Benfica, o clube iria deixar de parte a aposta na formação e começar a investir forte, de modo a dar-lhe condições para ter sucesso. Nada mais falso! Foi precisamente a formação, ou mais precisamente, o bicampeonato nacional de juniores que o Benfica detinha que levou Carlos Resende a juntar-se a nós.
Carlos Resende encarou o Benfica como um desafio aliciante na sua carreira, ao deixar a vida que tinha no norte do país (para além de treinador do ABC, era também professor na Faculdade de Desporto do Porto e no ISMAI) e abraçar um projecto no Benfica assente na formação, em que o treinador poderia aplicar nos nossos jogadores o seu vasto conhecimento na modalidade e com isso, recolocar o Benfica no topo do andebol português e fazer dos nossos jovens futuras referências nacionais na modalidade.
Ao fim de um ano ao serviço do Benfica, já se mostram alguns resultados, principalmente pelas evoluções notáveis de Davide Carvalho, Paulo Moreno e Alexandre Cavalcanti, bem como pela aposta noutros jovens que começam a mostrar-se no andebol nacional como Francisco Pereira e André Alves. E ao longo dos próximos anos, muitos mais hão-de vir.
Porém, como disse aqui várias vezes ao longo da época, só formação não chega. Para que o projecto que o andebol encarnado arrancou nos últimos anos dê resultados desportivos, é necessário dosear a aposta na formação com a contratação de jogadores estrangeiros de qualidade indiscutível. Mas afinal, de que perfil são estes jogadores?
O andebol do Benfica começou a olhar mais para a formação a partir do ano de 2014, quando Mariano Ortega chegou ao comendo técnico da equipa, mas desde esse período, também foram contratados alguns jogadores estrangeiros. A maioria dos estrangeiros que por cá passaram desde então eram jogadores banais/medianos de países de topo na modalidade, referindo aqui os casos:
Javier Borrágan, Albert Pujol e António Asier (Espanha), Dragan Vrgoc e Luka Rakovic (Croácia), Nikola Mtrevski (Macedónia) e Jernej Papez (Eslovénia). Destes todos, o Borrágan e o Mitrevski são os únicos que me deixam saudades.
A meu ver, a própria política no recrutamento de atletas estrangeiros também precisa de mudar. Em vez de contratarmos atletas "defeituosos" ou de buscarmos jogadores medianos a países de topo. Na minha opinião, a política que mais se ajustaria ao projecto e à realidade do andebol encarnado, passaria por recrutar jovens jogadores a países com um andebol de qualidade, mas cujos campeonatos são tão ou mais modestos que o nosso.
Neste perfil, encaixam países como a Sérvia, a Roménia, a Ucrânia, a Bielorússia, entre outros... Nestes países certamente haverá jovens de grande potencial que poderão ver no Benfica uma oportunidade para crescerem enquanto jogadores e tendo a Taça EHF como montra para ganharem experiência internacional.
Há alguns anos atrás, o andebol era visto como a ovelha negra do ecletismo encarnado. Nos últimos 3 anos, a secção tem vindo aos poucos a limpar essa imagem, conseguindo fazer muito com pouco (em comparação aos rivais). Nos últimos 3 anos, conquistámos 2 Taças de Portugal, 1 Supertaça, chegámos a uma final da Taça Challenge e a uma Fase de Grupos da Taça EHF (a qual não conseguimos passar por dois golos), o que mostra que o andebol encarnado tem crescido.
Agora, resta dar continuidade a este projecto com um investimento mais sério e criterioso. Se assim for, temos tudo para sermos campeões na próxima época.
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