quarta-feira, 23 de maio de 2018

A essência das equipas B



A Segunda Liga acabou e a nossa equipa B terminou o campeonato no 12º lugar. Apesar da manutenção só ter sido assegurada nesta última jornada, a equipa nunca esteve numa situação realmente alarmante que tornasse a despromoção num cenário muito provável.

Há umas semanas atrás, a imprensa noticiou que Hélder Cristóvão estaria de saída do Benfica no final da temporada. Pouco depois, o próprio confirmou a sua saída numa entrevista ao jornal "A BOLA", considerando que está na hora de fechar este ciclo e de dar o passo seguinte na sua carreira.
Como tal, sintome na necessidade de falar aqui da política das equipas B, visto que este é um assunto que está longe de gerar consensualidade, e também porque Hélder Cristóvão era provavelmente, o treinador do Benfica que mais adeptos queriam que fosse escorraçado do clube.

Quem me conhece, sabe que não sou um fã incondicional dele no aspecto técnico-táctico e que já defendi a sua saída. Porém, após a época vergonhosa em que a nossa equipa B quase desceu de divisão, aprendi também a perceber a essência das equipas B e que acima de tudo, na formação, os resultados colectivos são importantes, mas não são imprescindíveis. E como tal, quero esclarecer aqui uns pontos quanto à equipa B e ao Hélder.

1) Política
Uma coisa que muitos adeptos teimam em entender, apesar desta já estar inserida no escalão sénior, a equipa B é uma etapa de formação. É uma etapa que permite aos nossos jovens jogadores terem um primeiro contacto com o futebol profissional, que lhes permita continuarem o seu crescimento, e também servir de rampa de lançamento para patamares competitivos mais elevados.
Ora, quem acompanha a nossa equipa B desde o seu início na temporada de 2012/2013, deve ter percebido logo que o principal objectivo desta equipa era o desenvolvimento e potencialização dos nossos jogadores, como se verificou pelo facto de jogadores como João Concelo e Fábio Cardoso na altura ambos com idade de júnior) fizeram mais de 20 jogos pela equipa B nessa época.
Isto mostra que a política de formação do nosso clube passa por promover aos nossos jovens patamares competitivos que lhes permitam crescer e evoluir, daí promoverem os jogadores de maior potencial de cada escalão para o escalão seguinte. Outra coisa a verificar é que época após época, a média de idades da nossa equipa B tem vindo a ser cada vez mais baixa;

2) Saída de Hélder
Se Hélder Cristóvão saísse do Benfica pelos reulstados, era sinal que o nosso presidente estaria a ser extremamente incoerente. Se houvesse uma altura certa para ele sair por esse motivo, seria há duas épocas atrás quando a equipa B quase desceu de divisão.
Hélder revelou na entrevista que recebeu uma convite de fora para abraçar um novo desafio e este convite é um sinal de reconhecimento do seu trabalho, pelo desenvolvimento e potencialização dos jovens que estão agora a dar cartas na equipa principal e até no estrangeiro e que renderam milhões aos cofres do clube;

3) Critérios de avaliação
Outra coisa que muitos benfiquistas teimam em entender, é que os critérios de avaliação de um treinador de um escalão de formação são diferentes dos critérios de avaliação de um treinador de uma equipa sénior.
Um treinador de uma equipa principal é avaliado pelo desempenho desportivo da sua equipa, tal como se sucede com Rui Vitória, José Ricardo, Pedro Nunes, Joel Rocha, José Jardim, Carlos Resende, Paulo Almeida, Bruno Fernandes...
Já um treinador de formação é avaliado pela evolução dos atletas que recebe e que treina na sua equipa. Assim também se verifica com João Tralhão, Renato Paiva, Luís Nascimento, etc. E é nesse critério que Hélder Cristóvão tem nota máxima;

4) Trabalho de uma equipa B
Hélder Cristóvão é provavelmente, o treinador de futebol do Benfica com o trabalho mais dificultado. O próprio Hélder Cristóvão referiu na entrevista que um quem treina uma equipa B tem de lidar com constantes entradas e saídas de jogadores. Hélder sempre lidou com isso, e nesta temporada, esse cenário acentuou-se nesta segunda metade da temporada. Com o regresso de João Félix, João Filipe, Nuno Santos e Gedson Fernandes aos júniores, as constantes chamadas de Keaton Parks e Willock ao plantel principal, chamadas de jogadores para treinarem com a equipa principal e também algumas lesões, fizeram com que Hélder Cristóvão tivesse trabalhado ultimamente com um grupo de jogadores mais restrito. E em parte, a quebra de rendimento da equipa nesta segunda volta também se deve a isso;

5) "Ah e tal se eles já eram bons nas camadas jovens é normal que também sejam nos séniores."
Quem acompanha futebol sabe perfeitamente que infelizmente, as coisas não são assim tão lineares. Se assim fosse, não haveriam as chamadas promessas adiadas no futebol mundial. Refiro aqui dois exemplos no Benfica:
Diego Lopes foi uma das primeiras pérolas do Caixa de Futebol Campus. Foi craque em todos os escalões onde passou, até que no seu segundo ano de júnior, foi emprestado ao Rio Ave e nem chegou a passar pela equipa B. Actualmente, regressou ao Rio Ave em Janeiro após passagens pela Grécia e pela Turquia. Em contra-partida, Bernardo Silva só começou a dar nas vistas no seu último ano de júnior e após um ano na equipa B, convenceu um clube francês a pagar 15 milhões de euros por ele;

6) "Qualquer treinador da Primeira Liga consegue fazer o que o Hélder está a fazer."
Outro mito que não passa de um autêntico disparate. O futebol que melhor explora as potencialidades dos jovens jogadores e faz com que estes evoluam é aquele futebol de posse e apoiado, que permite aos jogadores que consigam recriar-se com a bola nos pés.
Existem treinadores na Primeira Liga que implementam essa ideia de jogo, como o Luís Castro e o Miguel Cardoso. No entanto, também existem os apologistas do autocarro e do anti-jogo. E quem acha que os jovens jogadores conseguem crescer e evoluir com uma táctica de autocarro percebe tanto de futebol como eu de física quântica.

7) A importância dos resultados
a) FC Porto B 2015/2016
Como muitos se devem lembrar, a equipa B do FC Porto treinada por Luís Castro venceu a Segunda Liga em 2015/2016. Analisemos a época de 17/18 de alguns jogadores dessa equipa:

- Raúl Gudiño => 7 jogos no APOEL Nicosia (2 no campeonato)*
- Víctor García => 21 jogos no Vitória de Guimarães (13 no campeonato)
- Maurício => depois de 48 jogos e três golos no Marítimo, joga agora nos japoneses do Urawa Reds (30 jogos e 4 golos)*
- Rafa Soares => 3 jogos no Fullham mais 11 jogos no Portimonense*
- Chidozie => 23 jogos e um golo no Nantes (22 no campeonato)
- Diogo Verdasca => 29 jogos no Saragoça (27 no campeonato)
- Pité => 7 jogos no Tondela (6 no campeonato)
- Francisco Ramos => 23 jogos no Vitória de Guimarães (14 no campeonato)
- João Graça => 12 jogos no Feirense (9 no campeonato)
- Tomás Podstawski => 32 jogos e um golo no Vitória de Setúbal (25 no campeonato)
- Omar Govea => 36 jogos e 4 golos no Mouscron
- André Silva => 39 jogos e 10 golos no AC Milan (23 jogos e 2 golos no campeonato)
- Ismael Díaz => 12 jogos e 6 golos no Deportivo B
- Leonardo Ruiz => 21 jogos e um golo no Boavista (19 no campeonato)
*saiu a equipa B do FC Porto a meio da época

Estes eram os jogadores mais influentes da equipa B que conquistou a Segunda Liga há duas épocas atrás. E como se pode ver, nem todos jogam futebol ao mais alto nível nem jogam com regularidade nos respectivos clubes.

b) Real Madrid Castilla 2006/2007




A equipa B do Real Madrid desceu da segunda para a terceira divisão espanhola na temporada 2006/2007. Aqui deixo alguns jogadores que pertenciam a essa equipa e onde se encontram actualmente:

- Juan Manuel Mata => actualmente no Manchester United. 41 internacionalizações e 10 golos pela selecção espanhola. Conquistou o Mundial em 2010, A Champions League e o Campeonato da Europa em 2012, e a Liga Europa em 2013;
- Álvaro Negredo => actualmente no Besiktas. 31 internacionalizações e 10 golos pela selecção espanhola. Conquistou o Campeonato da Europa em 2012 e a Premier League em 2014;
- Javi Garcia => actualmente no Real Betis. Duas internacionalizações pela selecção espanhola. Foi campeão português em 2010, campeão inglês em 2014 e campeão russo em 2015;
- Esteban Granero => actualmente no Espanyol. Campeão espanhol em 2012;
- Borja Valero => actualmente no Inter de Milão. Uma internacionalização pela selecção espanhola;
- Daniel Parejo => capitão do Valência. Uma internacionalização pela selecção espanhola;
- José Callejón => actualmente no Nápoles. Cinco internacionalizações pela selecção espanhola. Campeão espanhol em 2012;
- Kiko Casilla => actual suplente de Keylor Navas no Real Madrid após quatro épocas ao serviço do Espanyol. 1 internacionalização pela selecção espanhola.

Como podem verificar, nenhum deste jogadores conseguiu mais do que ser uma segunda linha na equipa principal merengue (casos de Casilla, Granero e Callejón). No entanto, esta descida de divisão que consumaram quando começaram as suas carreiras séniores, não os impediu de construírem carreiras sólidas no futebol espanhol e europeu, fazendo carreira em campeonatos de topo e sendo internacionais pela roja.


Moral da história: não existe nenhuma correlação directa entre a evolução de um jovem jogador e os resultados desportivos que a sua equipa obtém. Na formação, os resultados são importantes, mas não são imprescindíveis. E a prova viva disso é que o Cristiano Ronaldo nunca foi campeão nacional na sua formação e isso não o impediu de chegar onde chegou. E eu apoio a 100% a política de meter os nossos jovens de maior potencial a jogar num escalão superior para terem um estímulo competitivo que lhes permita crescer e evoluir.




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